terça-feira, 3 de junho de 2008

ESPIRITISMO E DIREITO

Milton Medran Moreira
Coluna "Opinião em Tópicos"
do jornal Opinião de junho 2008

Juristas espíritas raramente se dão conta disto. Mas a filosofia espírita é uma expressão eloqüente de direitos humanos e sociais. O Livro dos Espíritos, em meados do Século 19, antecipou conceitos que só bem mais tarde acabariam legislados no Ocidente cristão.
Temas como o divórcio, a igualdade de direitos da mulher, o descanso remunerado dos trabalhadores e tantos outros foram vigorosamente defendidos na obra fundamental de Kardec, mesmo que ainda não estivessem consagrados na maioria de nossos países. No campo do Direito Penal, o espiritismo posicionou-se com firmeza contra a pena de morte, a escravidão e todas as penas infamantes. Abrandou a condenação ao aborto, chamando a atenção para os direitos da gestante, até então desconsiderados. Enfim, claramente o espiritismo cerrou fileira com os setores mais progressistas da época, postulando um direito humanitário, no campo civil, penal e social, e, muitas vezes, em oposição à religião.
A contribuição possível
Evoco essas características das chamadas Leis Morais, 3ª Parte de O Livro dos Espíritos para salientar que o espiritismo pode estabelecer um diálogo elevado, contribuitivo e respeitável com as ciências jurídicas. Pena que uma grande parte dos profissionais do Direito que se declaram espíritas (juízes, promotores, advogados) não se dê conta disso. Toda a vez que se abrem oportunidades de uma interlocução entre ciências jurídicas e espiritismo, lá vêm eles com os mesmos e batidos temas: direitos autorais de obras psicografadas, valor probatório da psicografia no processo penal e...o assunto que deixa todo o mundo enfezado: combate ao aborto com leis penais duras e sem contemplação à situações humanas que, via de regra, esses episódios envolvem. Parece que nada mais temos a dizer no campo do Direito.
A reportagem da Folha
Agora mesmo, a Folha de São Paulo abriu amplo espaço para divulgar a criação da Associação Jurídico-Espírita de São Paulo. Em 19 de maio, publicou a reportagem "Associação quer espiritualizar o Judiciário". Ora, espiritualizar, numa acepção aceitável e compatível com o laicismo de que se reveste necessariamente o Estado e seu Judiciário, não pode significar mais do que humanizar, contribuir com a adoção de um espírito de respeito, fraternidade e tolerância aplicáveis à função de dirimir litígios. Pois, lá veio o entrevistado, um juiz espírita, defendendo a necessidade de se admitir, como prova processual, cartas psicografadas. Querem coisa mais estapafúrdia? Diversos juristas foram ouvidos e ironizaram a proposta. No Painel do Leitor, no dia seguinte, alguém classificou como absurda a pretensão dos espíritas, pois amanhã um juiz umbandista há de querer trazer aos autos a opinião de um xangô, que é o deus da justiça naquela religião, ou um magistrado evangélico vai se achar no direito de invocar diretamente o espírito santo.
Depoimentos dos espíritos
É o risco que se corre quando se misturam crenças com funções estatais. No caso da psicografia, mesmo que o espiritismo lhe dê um caráter científico, é preciso considerar que, para a ciência positiva, a manifestação dos "mortos" não vai além do terreno da fé. Superada que fosse essa questão, leve-se em conta que a identidade de um espírito é sempre imprecisa e falível. Mesmo aceita a identidade, teríamos que examinar suas motivações: as paixões, ódios, amores, simpatias ou antipatias que o levaram a interferir num caso "sub judice". Além disso, toda a prova testemunhal deve passar pelo crivo do contraditório. Ou seja: o "depoimento" de um espírito teria de se submeter a questionamentos do juiz e das partes. Bem, vamos parar por aí, antes que nossos centros espíritas precisem criar junto às suas "câmeras de passes", uma "câmara de inquirições de desencarnados", com assentos para juízes, promotores, advogados e escrivães.

30 ANOS DE ESTUDO SISTEMATIZADO DA DOUTRINA ESPÍRITA


Resgatar a importância e o pioneirismo dos espíritas gaúchos, na efetivação de um programa de estudo sistematizado do Espiritismo, verdadeira âncora do movimento espírita contemporâneo


Foi em 22 de julho de 1978, quando Maurice Herbert Jones presidia a Federação Espírita do Rio Grande do Sul e Salomão Benchaya era seu Diretor Doutrinário, que se lançou naquele Estado a “Campanha de Estudo Sistematizado da Doutrina Espírita - ESDE”. É bem verdade que a (antiga) Sociedade Espírita Luz e Caridade - SELC (hoje Centro Cultural Espírita de Porto Alegre - CCEPA) já mantinha, na década de 70, grupos de estudo sistematizado do Espiritismo, mas a prática não era comum no movimento espírita. As práticas pedagógicas nas instituições espíritas, àquela época, em relação aos adultos se baseavam na leitura seqüencial dos capítulos das obras básicas, seguidas de interpretação e alguma discussão entre os participantes. O ESDE, em seu nascedouro, assim, buscou inspiração no COEM (Centro de Orientação e Estudo da Mediunidade), uma exitosa iniciativa do Centro Espírita Luz Eterna, de Curitiba (PR), e a SELC foi o verdadeiro laboratório onde se concebeu e se aprimorou a Campanha de Estudo Sistematizado da Doutrina Espírita. Vale dizer que o movimento espírita, com a proposta da federativa gaúcha, iniciava uma nova e importante fase: a da conscientização da necessidade do estudo.

Jones, deste modo, buscou apoio na Federação Espírita Brasileira (FEB), para encampar o projeto e difundi-lo, oficialmente, entre as instituições do Conselho Federativo Nacional (CFN). O livro Da religião espírita ao laicismo, de Benchaya registra, a propósito, as enormes dificuldades enfrentadas pelo dirigente para a decisão de implantar semelhante Campanha em âmbito nacional. Havia, conforme o autor, uma “surda resistência” que obrigou o representante gaúcho a forçar a votação de sua proposta que vinha sendo sucessivamente adiada: “Argumentou Jones, na oportunidade, que não podia entender aquela surda resistência a uma Campanha de Estudo do Espiritismo em um movimento que já desenvolvia uma intensa Campanha de Evangelização Infanto-juvenil. Finalizou dizendo aguardar a votação, que era aberta, pois apreciaria conhecer e registrar para a história, os dirigentes de Federações Estaduais que se atrevessem a reprovar uma campanha objetivando estimular o estudo do Espiritismo”.

O esforço dos pioneiros (Salomão, pela autoria e Jones pela defesa) foi recompensado: na tarde de 6 de julho de 1980, um domingo, a proposta gaúcha terminou aprovada pela unanimidade dos representantes presentes em Brasília. A FEB, entretanto, levaria mais de três anos para lançar oficialmente a campanha, já com roteiros e programas de estudo reelaborados por uma comissão específica.

A partir de 1990, no CCEPA, os neófitos são encaminhados aos Cursos Básicos de Espiritismo voltados para a comunidade, com a participação de expositores da Casa e convidados, sendo os temas desenvolvidos sob a forma de palestras e, desde 2001, há uma programação especialmente voltada para os não-espíritas que desejem receber informações básicas acerca do contexto histórico-cultural da época de surgimento da Doutrina, bem como acerca de seus princípios básicos. No âmbito do estudo sistematizado, há o Ciclo Básico de Estudos Espíritas (CIBEE), que tem a duração de um ano. Os grupos compostos por espíritas experientes desenvolvem seus próprios programas, calcados em pesquisa, debate e produção cultural, utilizando-se os princípios do “estudo e problematização”. Em complemento, as palestras públicas foram transformadas no “grupo de conversação”, que privilegia o formato interativo, não havendo dirigente nem expositor no sentido tradicional, mas, um “provocador” previamente designado que, após breve exposição, coloca e coordena a discussão de um assunto para ser debatido à luz do pensamento espírita.

Marcelo Henrique Pereira
Mestre em Ciência Jurídica.Secretário para a Promoção da Juventude e Delegado da Confederação Espírita Pan-Americana (CEPA)Presidente da Associação de Divulgadores do Espiritismo de Santa Catarina (ADE-SC)