Milton R. Medran Moreira:
Procurador de Justiça aposentado, diretor do Centro Cultural Espírita de Porto
Alegre.
O Estado não pode impedir que
alguém tome um táxi e, no percurso, sequestre e mate seu motorista. Mas o
Estado pode e deve criar condições para que não transitem pelas ruas de uma
cidade pessoas capazes de praticar tais atos. Aliás, é justamente para isso que
existe o Estado.
A liberdade de ir e vir talvez
seja o elemento que melhor caracteriza o conceito de civilização. Civilização
vem do termo latino "civitas", cidade. Define o locus em que convivem
e se movimentam os cidadãos. É o espaço público cuja criação teve como
pressuposto o que os filósofos chamaram de pacto social. Para viabilizá-lo, o
ser humano, até então tido como o próprio "lobo do homem", precisou
renunciar a alguns direitos de que se julgava detentor: o de destruir o outro
para preservar seu próprio espaço, o de revidar com igual violência as
agressões de que se julgava vítima, o de ser, enfim, legislador, julgador e
executor de suas conveniências.
Não fosse esse hipotético
pacto, não haveria Estado, não precisaríamos de governo, de juízes e de
executores das leis que regulam nossa convivência. Não haveria civilização,
enfim.
Numa extremada simplificação —
mas à qual convém recorrer em momentos de crises graves como a que estamos
vivendo —, ao Estado cabe precipuamente definir quem pode e quem não pode
circular livremente pela civitas. E dela retirar os que não se habilitaram
ainda à civilização.
O "ainda" do período
anterior entenda-se como expressão da mais otimista crença no ser humano. É
adesão à corajosa assertiva socrática de que ninguém é deliberadamente mau.
Amor, bondade, solidariedade são qualidades intrinsecamente humanas. Repousam
no seu espírito imortal e ali dormitam, às vezes, por milênios, à espera de
serem despertadas. À educação competirá tirá-las do sono, burilá-las e qualificá-las,
habilitando o indivíduo ao convívio civilizatório.
Quando, vencido o egoísmo,
firmamos o contrato social, estávamos certos de que o Estado seria o agente
primordial dessa tarefa. Não podemos ter-nos enganado. E não nos conformamos
que o Estado nos engane.
Artigo publicado no jornal ZEO
HORA de Porto Alegre em 14/09/2016