quarta-feira, 6 de julho de 2011

A SUBSTÂNCIA E A ESSÊNCIA


                Meu dileto amigo e colega Mário Cavalheiro Lisbôa sustenta que, “nesta vida ninguém muda” (“A conduta humana” - ZH 5/6). Mas, ressalva referir-se à “substância da pessoa”. Talvez tenha razão o Mário.  Tanto quando fala “nesta vida”, quanto ao aludir à “substância”.
                Quem é pai, quem é educador, quem vislumbra nos mecanismos da justiça alguma perspectiva de recuperação ou ressocialização de um delinquente, sabe. É muito difícil lidar com certas tendências humanas. Há pessoas que parecem resistir a vida toda a qualquer tentativa de transformação comportamental ou ética. A palavra não os convence, os exemplos não os atingem e a própria punição não os intimida.
                Dizer que fatores genéticos são determinantes de suas vidas, que, ao nascerem, já se acha plasmada, em definitivo, sua personalidade e, com ela, suas tendências para o bem ou para o mal, para o amor ou o ódio, para a solidariedade ou o egoísmo, para a criminalidade ou a ordem, será aceitarmos a irreversível ditadura dos genes.
                Há, talvez, uma forma de nos rebelarmos contra esse aparente determinismo genético que faz terra arrasada a todos os esforços pedagógicos, empreendidos milenarmente pelos mecanismos da educação e da justiça, na história evolutiva e civilizatória da humanidade. A forma será, quem sabe, admitirmos que somos mais do que substância. Que por de trás dos genes, há uma essência que com eles interage e da qual a própria genética é apenas um efeito, uma substância provisória. E que também a cultura, outro fator sempre levado em conta na formação dos hábitos e comportamentos humanos, é plasmada por essa essência. As religiões a chamam de alma, as filosofias espiritualistas preferem o termo espírito, mas podemos todos nos entender se a denominarmos simplesmente consciência.
                Sob uma ou outra denominação, praticamente todos a reconhecemos como a própria essência do ser humano e como patrimônio imaterial que plasma a história da humanidade.  Já é tempo de refletirmos sobre ela dissociada e liberta dos genes e dos neurônios, para que se abram caminhos outros capazes de superar o inconciliável dualismo religião/materialismo.
                Talvez por esse caminho reconheçamos que é possível, sim, mudar. Que muito já mudamos e que, individual e coletivamente, temos imenso potencial de transformação. O que talvez seja difícil é a percepção dos efeitos práticos dessas mudanças no tempo e no espaço em que nos movimentamos enquanto substância. Talvez aí tenha o Mário um pouco de razão, ao dizer que “nesta vida, ninguém muda”. É preciso, assim mesmo, investir na mudança e crer no efeito transformador da educação, da palavra e do exemplo.
 Na infinita trajetória da consciência, o futuro tem a amplitude da essência. E, por isso, rompe e supera as barreiras da substância e os limites da existência. Viver é mais que existir.    
   Milton Medran Moreira    
 Procurador de Justiça aposentado. Diretor do Centro Cultural Espírita de Porto Alegre.
Artigo Publicado no jornal ZERO HORA de Porto Alegre em 06/07/2011