segunda-feira, 10 de outubro de 2016

CCEPA NA MÍDIA

A busca da justiça
Milton Medran Moreira – Advogado e jornalista, diretor 
do Centro Cultural Esp[írita de Porto Alegre

Os leitores de Zero Hora se comoveram ao ver o desabafo de um pai, em página inteira, no dia em que se completavam 11 anos do assassinato do filho, sem que se tenha sequer identificado o responsável.

Em país, onde só cerca de 8% dos homicídios dão origem a processos criminais, diz-se: a justiça dos homens falha, mas a divina jamais. A dicotomia justiça divina/justiça humana pode ser consoladora, mas não aplaca a dor de quem vê se perenizar a impunidade. Afinal, nem todos creem em Deus ou em algum sistema infalível de justiça a se operar após a morte.

Seria possível conceber uma justiça infalível? Só mesmo numa sociedade em tudo o mais infalível, e composta de infalíveis indivíduos. Aí estamos falando em perfeição, que ninguém ousa atribuir a um indivíduo ou a qualquer comunidade deles.

Estaríamos, então, condenados ao caos? Se os mecanismos da vida não asseguram a realização da justiça, a vida não tem sentido. Parafraseando Dostoievski, cujos personagens de Os Irmãos Karamazov afirmam que "se não existe Deus, tudo nos é permitido", poderíamos apregoar: se a justiça não existe, tudo está liberado.

O jeito de sair disso não está exatamente na fé numa divindade apta a compensar, tão logo morramos, todas as injustiças aqui cometidas, mas na crença da perfectibilidade do ser humano, sujeito a uma lei natural de evolução a se operar gradualmente pelas instâncias todas da vida. Superar o dualismo vida/morte pela dialética nascer/morrer/renascer/progredir sempre, permite vislumbrar a perfectibilidade da justiça. 

Fora disso, só restam duas alternativas: negar a existência da justiça como valor inerente à vida, ou relegá-la a dimensões para além do humano. Se inviável sua realização, inviáveis também o perdão e a tolerância que o humanismo nos legou. Quando não alcançável a justiça, sobrará apenas o desejo de vingança, mesmo que dissimulado em justiça.
Por certo, não é o que quer aquele pai, mas é o que a sociedade estimula, quando descura do dever de, permanentemente, buscar a justiça, alimentando a crença de ser ela humanamente viável sem que, para isso, se tenha de ferir a dignidade humana.


Artigo publicado no jornal ZERO HORA de Porto Alegre em 10.10.2016