quarta-feira, 23 de fevereiro de 2011

OPRESSÃO, PROGRESSO E ESPIRITUALIDADE

Todo poder excessivo é destruído pelo seu próprio excesso.
                                                               Casimir Delavigne
               
O início do ano foi marcado por uma sequência de revoltas populares, queda de ditaduras e sérios abalos a outros regimes autoritários do mundo árabe. A partir da derrubada de Zine El Abadine Ben Ali, o povo da Tunísia pôs fim a uma ditadura que já completara 23 anos. A mesma sorte teria, logo, o ditador Hosni Mubarak, do Egito, ao ser apeado do poder que detinha havia 30 anos. Seguiram-se levantes populares, com maior ou menor êxito, no Iêmen, Jordânia, Síria, Irã, Bahrein, Líbia, Marrocos e Kuwait.

Diferentemente do mundo ocidental, cristão, todos esses países têm como religião preponderante, quando não oficial e de culto obrigatório, o islamismo. Politicamente, são regidos por governos fortes, onde são escassos, frágeis, ou mesmo inexistentes, o reconhecimento e a prática das garantias de liberdade constitucionalmente asseguradas nas nações do Ocidente. Agora, como numa onda avassaladora, aquelas populações clamam e lutam por democracia, caminho único à conquista da plena cidadania fundada na liberdade humana.
É comum entre nós a afirmação de que o Ocidente conquistou o moderno Estado de Direito graças à assimilação e ao desenvolvimento das propostas cristãs. Não se pode esquecer, no entanto, que o Humanismo e o Iluminismo, movimentos inspiradores da democracia moderna, tiveram justamente no cristianismo real e institucionalizado o grande adversário e opositor das ideias de liberdade. A conquista do Estado de Direito foi, a rigor, o resultado de uma dura luta do laicismo e do secularismo contra a religião, marcando o advento da modernidade.
É muito cedo para se afirmar que os países do bloco árabe/islâmico estejam inaugurando seu Iluminismo. Até porque, entre os opositores das ditaduras agora contestadas, existem segmentos religiosos fundamentalistas que aspiram transformar algumas dessas ditaduras civis ou militares em novas teocracias muçulmanas. De qualquer sorte, o vigor demonstrado e o parcial êxito atingido indicam um movimento, ainda que lento, no caminho da democracia e das liberdades. A busca desses valores, antes de se inspirar em revelações religiosas, nasce da própria condição humana. O espírito, chama divina que alumia a trajetória da consciência rumo à perfeição e à plenitude, é o grande agente das transformações políticas, sociais e éticas. A humanidade, toda ela, em qualquer segmento cultural, étnico ou sistema de crenças, goza, intrinsecamente, do direito à liberdade de pensar, de crer ou descrer, de agir, de escolher seus caminhos, entre erros e acertos que redundarão sempre em ricas experiências.
A opressão, seja religiosa, seja ideológica, invariável resultado do orgulho e do egoísmo de uns poucos em detrimento de outros, tem sido, na história dos povos, o maior obstáculo ao progresso cultural, social e espiritual do gênero humano. Mas, um dia ela termina. Não resiste à vocação progressista e à força do espírito.
Milton Medran Moreira
Artigo publicado no jornal ZERO-HORA de 23/02/2011