terça-feira, 27 de agosto de 2013

ESPIRITISMO LAICO E HUMANIZAÇÃO DO NASCIMENTO



 Espiritualidade

Ricardo H. Jones - Médico ginecologista e Obstetra

A vinculação dos humanistas do nascimento com o espiritualismo é realmente interessante, como foi observado pela pesquisadora Nia Georges quando esteve no Brasil com Robbie Davis Floyd para pesquisar os humanistas que lutam pelo protagonismo restituído às mulheres. Com exceção de alguns poucos colegas, explicitamente ateus, eu acho que a imensa maioria dos humanistas do nascimento tem convicções teleológicas (não necessariamente religiosas, como eu). E, vejam bem, eu tenho um profundo respeito pelos ateus (meus irmãos são e meu filho também). Essa vinculação pode, talvez, ser explicada pela vertente psicológica e metafísica. Observar o nascimento é "uma bofetada no niilismo", me dizia Max. É muito difícil assistir o nascimento de uma criança e não vislumbrar que existe algo por detrás do meramente manifesto aos sentidos grosseiros. Existe uma magia que se esconde em cada gesto, em cada palavra e em cada olhar. O parto, assim visto, se assemelha muito mais a um reencontro do que com uma chegada. No meu caso específico, essa vinculação espiritualista foi quase visceral. Meu pai foi presidente da Federação Espírita do RS por muitos anos e é, segundo minha visão, um dos melhores pensadores espíritas contemporâneos. Ele foi um dos criadores do "espiritismo laico" no Brasil, o que o fez romper com a oficialidade do movimento espírita. Foi cofundador do Centro Cultural Espírita de Porto Alegre (CCEPA), voltado ao estudo filosófico e científico do espiritismo. Abandonou por completo suas convicções religiosas (mas não teleológicas), a partir do estudo do próprio Kardec, nas publicações da Revue Espirite. Curioso (ou esclarecedor) é perceber que ambos (eu e ele) fazemos parte de movimentos contra-hegemônicos que visam a autodestruição.

Explico: em sua visão otimista do "porvir" do pensamento espírita não haverá necessidade de existir um "movimento espiritualista". Tamanha será a convicção da comunidade científica e a obviedade dos seus postulados que será desnecessário um movimento para sustentá-lo. Seria como existir um movimento pela "Lei da Gravidade", ou "Pelo Direito a Escola", ou "Pelo Direito das Mulheres Trabalharem". Sua visão otimista é de que a ciência vai acabar provando a sobrevivência da alma, o que vai modificar sobremaneira a visão que temos da vida, da temporalidade e da própria medicina. Sua visão se assemelha ao otimismo de Gene Rodenbery, criador de Jornada nas Estrelas, que vaticinou que o progresso científico levaria à fraternidade e à busca de valores mais nobres. Tecnologia vencendo o egocentrismo recalcitrante. Assim, o próprio movimento planeja seu extermínio, ao sair da periferia das ideias em direção ao centro; saindo da antítese e rumando para a síntese, numa abordagem Hegeliana. O mesmo ocorreria com o movimento de humanização. Com o progredir do conhecimento científico e a falência gradual das posturas mitológicas, com o concomitante desaparecimento dos vaidosos propagadores de verdades privadas, será desnecessário "lutar" por modificações estruturais e práticas que já se estabeleceram no discurso cotidiano. Com isso a "seara luminosa que estamos aos poucos traçando, rumo ao porvir obstétrico redentor" vai significar o nosso desaparecimento enquanto rede e grupo.

E viva o fim da ReHuNa, da Parto do Princípio e de todos os grupos e ONGs que lutam por algo que um dia será tão banal que será desnecessário lutar !!! Nesse dia, lá longe no "porvir obstétrico", a luta dos apaixonados pelo nascimento será outra. E quem pode dizer qual será? Pelo direito aos alienígenas de Alfa centauro de parirem de 6 (não dão a luz de 4 porque tem seis membros articulados)? Ou pelo direito a que a mulher escolha o pai do seu filho por amor, e não a partir de diagramas de compatibilidade genética?
Quem sabe o que virá?