terça-feira, 23 de outubro de 2012

CCEPA NA MÍDIA


Mensalão – seu sentido histórico
Com a condenação, já delineada, das figuras mais representativas do chamado “mensalão”, a frase que mais e ouve é: “Quero ver, mesmo, é se esses figurões vão para a cadeia”.
          É como se dissessem:
- Está bem, agora todo o mundo sabe que eles cometeram crimes muito graves, examinados detalhadamente por juízes sábios e justos. Estes mesmos julgadores vão, a seguir, calcular as penas cabíveis para os crimes cometidos. Mas, e daí? Isso de nada valerá, não terá nenhum significado, enquanto não os virmos no fundo de uma cadeia, de preferência dividindo cela com assaltantes, traficantes, estupradores e toda essa classe de gente que se quer ver bem longe de nós! Ah! e tem mais: se as penas aplicadas forem de 15, 20 ou 30 anos, que eles fiquem lá por esse mesmo tempo. Sem essa de, logo, serem beneficiados com livramento condicional, saídas temporárias, prisão aberta ou coisas parecidas.
       Quem lida com o Direito, sabe muito bem que, na prática, as coisas não funcionam assim. Que, talvez, muitas sessões aconteçam, ainda, no Supremo, até que se desempatem votos, se calculem e se fixem as penas, se proclamem resultados, se redijam e publiquem acórdãos. Depois, virão os recursos. Novas sessões. Muitos debates. Longos votos. Posições divergentes a definir, primeiro, se cabem os recursos interpostos pelos tantos advogados. Se o Tribunal deve ou não recebê-los. Após, se for o caso, o exame do mérito de cada recurso. Novas e muitas sessões de debates. Nesse meio tempo, talvez um, dois ou três ministros se aposentem. Serão suscitadas questões de ordem sobre quem pode e quem não pode votar. Sobrevirão recessos. Interrupções. Novas sessões. Decisões divergentes. Outros recursos. Redação de novos acórdãos. Publicações. Depois de tudo, quem sabe, a prescrição das penas. O falecimento de alguns. O esquecimento. A impunidade.
       Num exercício de raciocínio que à maioria, hoje, pode se afigurar como absurdo, suponhamos que nenhum réu condenado vá para a cadeia. Que o tempo jogue a favor deles. Que o sentimento da gente simples do povo que os quer ver no fundo do cárcere seja frustrado. E, então, será de se perguntar: Terá valido a pena tanto esforço? Terá sido tempo perdido?
      Certamente que terá valido a pena. As decisões já tomadas pelo STF têm um sentido histórico e simbólico que vai muito além da literalidade da lei. Esta define o crime e lhe prescreve penas. Esgota-se no que se chama de trânsito em julgado das decisões condenatórias ou absolutórias. A fase da execução das penas se desdobrará em novos incidentes, recursos, postulações e decisões. Alguns até poderão fugir do país, frustrando a execução. Mesmo assim, nem eles nem o Brasil serão os mesmos daqui para frente. Terão eles, em qualquer circunstância, fora ou dentro da cadeia ou do país, aprendido que, perante a história e a nação, foram irremediavelmente condenados. Teremos nós compreendido que o tempo joga sempre a favor do bem e da justiça. Que sociedades justas e felizes se constroem também por leis que podem ser burladas, mas, especial e fundamentalmente, pelo amadurecimento da consciência ética de seus cidadãos e governantes.
        E, por falar em consciência, esta, quando culpada, dói do mesmo jeito na cadeia ou no palácio. E dói sem tempo predeterminado de duração e sem se sujeitar a prazos de prescrição. Dói enquanto não der lugar à reabilitação, à transformação ética e ao ressarcimento. Porque justiça não é vingança. É instrumento pedagógico de equilíbrio e de transformação do indivíduo e da sociedade. É a arte de dar a cada um o que é seu.
        Em qualquer circunstância, tenho o nítido sentimento de que o Brasil sai radicalmente transformado desse episódio. Independente do que vier a ocorrer com os réus do “mensalão”, com este processo, estamos exorcizando o passado e pavimentando o futuro desta nação com valores éticos há muito presentes no espírito da lei, mas, talvez ainda obscurecidos ou ausentes de nossa consciência coletiva.
      
       Milton Medran Moreira
         Advogado e jornalista. Presidente do Centro Cultural Espírita de Porto Alegre.
       Artigo publicado no Jornal ZERO HORA de 23 de outubro de 2012