sexta-feira, 29 de setembro de 2017

CCEPA NA MÍDIA

Separação entre Estado e religião não pode sofrer retrocessos, diz jornalista

Para Milton R. Medran Moreira, diretor do Centro Cultural Espírita de Porto Alegre, questões que dizem com a fé devem ser construídas autonomamente no íntimo do educando. 

O Supremo Tribunal Federal acaba de perder a oportunidade de referendar o caráter laico do Estado brasileiro. A Procuradoria-Geral da República questionou a constitucionalidade de dispositivo da Lei de Diretrizes e Bases que permite o ensino obrigatório, embora de matrícula facultativa, do ensino religioso nas escolas públicas. Por interpretação dada àquela lei, ministros de confissões religiosas são chamados a dar aulas de religião nas escolas públicas. Para a PGR, atenta contra a laicidade do Estado a docência, por ministros de uma religião, de seus dogmas em escolas públicas. Pretendia a ADI substituir o ensino confessional por conteúdos históricos das religiões, a cargo de professores públicos.

Apesar do brilhantismo com que o relator, ministro Luís Roberto Barroso, acolhia, em seu voto, a pretensão do Ministério Público Federal, a ação acabou julgada improcedente por seis a cinco.

Para Barroso, "cada família e cada igreja podem expor seus dogmas e suas crenças para seus filhos e seus fiéis sem nenhum tipo de embaraço". As escolas privadas também. Mas não a escola pública, que "fala para o filho de todos, e não para os filhos dos católicos, dos judeus, dos protestantes": "Uma religião não pode pretender apropriar-se do espaço público para propagar sua fé".

Mas, para a maioria, falaram mais alto do que a moderna razão laica e livre-pensadora vetustas tradições que teimam em manter amarrados entre si Estado e religião. Onde se poderia avançar, por decisão soberana da Corte Suprema, retrocedeu-se.

Sim, a lei não obriga o aluno a assistir às aulas de religião, cuja matrícula é facultativa. Mas, como se infere do voto de Barroso, a simples presença de ministro de uma entre tantas religiões em escola pública, ensinando seus dogmas, implica privilégio atentatório à liberdade de crer ou não crer. Questões que dizem com a fé devem ser construídas autonomamente no íntimo do educando. A religião, ainda que respeitáveis seus propósitos, há de se circunscrever ao espaço privado do lar ou dos templos. A educação, a partir de pressupostos de validade universal, deve ter seus parâmetros regulados e fiscalizados pelo Estado. Só assim se tornará efetivo o princípio vigente nas Constituições de todos os países democráticos, inclusive o nosso.

A separação entre Estado e religião (ou religiões, que, cá, proliferam tentando teocratizar o Estado) é fruto do iluminismo, conquista que não pode sofrer retrocessos. Aqui, sofreu, com o julgamento da ADI 4.439.

 Artigo publicado no jornal Zero Hora de Porto Alegre em 29.09.20