terça-feira, 3 de julho de 2012

CCEPA NA MÍDIA


Artigo publicado no jornal Zero Hora de Porto Alegre em 03/07/2012
Como Pilatos no Credo
Milton Medran Moreira
Advogado e jornalista, presidente do Centro Cultural Espírita de Porto Alegre

Em recente estada na Bahia, comentei com um motorista de táxi detalhe que me chamara atenção nas bancas do Mercado Modelo. Em outros tempos, quase todas elas eram decoradas com orixás e símbolos do candomblé. Ao contrário, agora, senão a maioria, muitas delas privilegiam a presença de Bíblias, salmos e letreiros do tipo "Só Jesus salva".
O taxista me confirmou: a Bahia estava se tornando evangélica. Mas, ele não. Continuava católico e devoto dos orixás, assim como tinham sido Mãe Menininha e tantas outras expressões da religiosidade baiana. Sentindo meu interesse pelo tema, logo foi me perguntando: "E o senhor é católico?". "Não" - lhe respondi -,  "sou espírita." - "Católico e espírita é tudo a mesma coisa" - sentenciou o motorista, passando para outro assunto.

A recente divulgação dos resultados do Censo, relativamente às crenças no Brasil, parece confirmar um interessante fenômeno sociológico e antropológico que acontece entre nós: religião mesmo, no sentido de fé pessoal em dogmas e verdades eternas e imutáveis, só existe uma que cresce entre nós, a evangélica, nas suas múltiplas denominações pentecostais e neopentecostais. Todo o resto está subsumido num riquíssimo caldo de cultura, onde se desenvolve um espiritualismo abrangente, pluralista, não necessariamente religioso, mas aberto à busca de um novo entendimento acerca de Deus, do universo e do espírito. Temas, aliás, bem mais filosóficos do que religiosos.

A partir daí, parece-me correto concluir que o povo brasileiro se divide, hoje, em dois grandes blocos: os religiosos, representados majoritariamente pelos evangélicos; e os laicos, que, mesmo não se autodenominando como tais, assumem, na prática, uma postura livre-pensadora, aberta, plural e alteritária nas questões alusivas à espiritualidade.
Nesse sentido, talvez tivesse razão meu interlocutor baiano: católicos e espíritas são a mesma coisa, mesmo que as religiões das quais se digam adeptos preguem fundamentos teológicos e espiritualistas bem diferenciados. Sem que nem sempre eles próprios se apercebam, tornam-se cada vez menos religiosos e mais livre-pensadores. Na prática, isso reforça a existência de uma diáspora entre religião e espiritualidade. Pouco a pouco, a espiritualidade deixa os templos para habitar o coração e a mente das pessoas livres.

No que diz com o espiritismo, era exatamente assim que o pensava seu fundador, Allan Kardec (1804/1869). Jamais o concebeu como uma religião, mas como uma área de estudo que teria como objeto o "espírito". Do conhecimento gerado por esse tipo de estudo, pesquisas e experiências, admitia defluiriam consequências de ordem ética. Isso, no entanto, não o confundiria com a moral religiosa, historicamente conflitante com o humanismo, o pluralismo e o progresso da humanidade.

Por tudo isso, e mesmo que o espiritismo apareça no censo do IBGE como a terceira "religião" que mais cresceu no país (passando de 1,3% da população para 2%), penso que ele entra, nessa e noutras pesquisas sobre religiões no Brasil, como Pilatos no Credo, isto é, meio fora de contexto. Prefiro somá-lo aos 8% de brasileiros que se declararam "sem religião", assim como aos milhões de católicos e livre-pensadores já não mais comprometidos com os dogmas de sua cultura ou tradição religiosa. Na grande maioria, somos profundamente crentes nas potencialidades infinitas do espírito humano, no seu progresso e na sua evolução, além dos limites da matéria, regido por leis cósmicas inteligentes, emanadas de uma causa primeira, suprema inteligência do universo. Isso nada tem a ver com religião e muito menos com as correntes religiosas que mais crescem no Brasil.