Meu dileto amigo e colega Mário Cavalheiro Lisbôa sustenta que, “nesta  vida ninguém muda” (“A conduta humana” - ZH 5/6). Mas, ressalva referir-se à  “substância da pessoa”. Talvez tenha razão o Mário.  Tanto quando fala “nesta vida”, quanto  ao aludir à “substância”.
                 Quem é pai, quem é educador, quem vislumbra nos mecanismos da justiça  alguma perspectiva de recuperação ou ressocialização de um delinquente, sabe. É  muito difícil lidar com certas tendências humanas. Há pessoas que parecem  resistir a vida toda a qualquer tentativa de transformação comportamental ou  ética. A palavra não os convence, os exemplos não os atingem e a própria punição  não os intimida.
                 Dizer que fatores genéticos são determinantes de suas vidas, que, ao  nascerem, já se acha plasmada, em definitivo, sua personalidade e, com ela, suas  tendências para o bem ou para o mal, para o amor ou o ódio, para a solidariedade  ou o egoísmo, para a criminalidade ou a ordem, será aceitarmos a irreversível  ditadura dos genes.
                 Há, talvez, uma forma de nos rebelarmos contra esse aparente determinismo  genético que faz terra arrasada a todos os esforços pedagógicos, empreendidos  milenarmente pelos mecanismos da educação e da justiça, na história evolutiva e  civilizatória da humanidade. A forma será, quem sabe, admitirmos que somos mais  do que substância. Que por de trás dos genes, há uma essência que com eles  interage e da qual a própria genética é apenas um efeito, uma substância  provisória. E que também a cultura, outro fator sempre levado em conta na  formação dos hábitos e comportamentos humanos, é plasmada por essa essência. As  religiões a chamam de alma, as filosofias espiritualistas preferem o termo  espírito, mas podemos todos nos entender se a denominarmos simplesmente  consciência.
                 Sob uma ou outra denominação, praticamente todos a reconhecemos como a  própria essência do ser humano e como patrimônio imaterial que plasma a história  da humanidade.  Já é tempo de  refletirmos sobre ela dissociada e liberta dos genes e dos neurônios, para que  se abram caminhos outros capazes de superar o inconciliável dualismo  religião/materialismo.
                 Talvez por esse caminho reconheçamos que é possível, sim, mudar. Que  muito já mudamos e que, individual e coletivamente, temos imenso potencial de  transformação. O que talvez seja difícil é a percepção dos efeitos práticos  dessas mudanças no tempo e no espaço em que nos movimentamos enquanto  substância. Talvez aí tenha o Mário um pouco de razão, ao dizer que “nesta vida,  ninguém muda”. É preciso, assim mesmo, investir na mudança e crer no efeito  transformador da educação, da palavra e do exemplo.
 Na infinita  trajetória da consciência, o futuro tem a amplitude da essência. E, por isso,  rompe e supera as barreiras da substância e os limites da existência. Viver é  mais que existir.      
   Milton Medran Moreira    
 Procurador de Justiça aposentado. Diretor do Centro Cultural  Espírita de Porto Alegre.
Artigo Publicado no jornal ZERO HORA de Porto Alegre em 06/07/2011
 

