domingo, 18 de maio de 2008

CONSOLADOR OU SÍNTESE?

O Século 19
As doutrinas surgidas no século 19 tinham características comuns. Todas elas alimentavam uma vocação globalizante. Seus sistamatizadores acreditavam sinceramente que a sua doutrina estava predestinada a uma rápida universalização. Marx apregoava que as filosofias, até então, nada mais tinham feito do que interpretar ao mundo, cabendo ao comunismo transformá-lo em definitivo. Comte projetava um futuro estritamente científico e chegava a guindar a ciência à condição de religião da humanidade. E Allan Kardec?
Allan Kardec
Espírito lúcido, Kardec fez uma trajetória rápida, partindo das mesas girantes e delas evoluindo, rapidamente, a uma sólida doutrina deísta, humanista e espiritualista. Tão claras lhes pareciam as questões propostas pelos espíritos, e por ele sistematizadas com o nome de espiritismo, que não lhe foi difícil supor que, em muito pouco tempo, todo o mundo, pelo menos no ocidente, se tornaria espírita, da mesma forma que para Marx todos seriam comunistas e para Comte todos positivistas. Mas, o que parece ter acontecido é que nem Kardec , nem Marx e nem Comte perceberam a existência uns dos outros, e, mutuamente, hajam subestimado a capacidade que as outras doutrinas, que não a sua, também tinham de se globalizar. Na verdade, essas três visões de homem e de mundo foram as linhas mestras de grandes correntes de pensamento do fim do século passado a esta parte. Materialismo, cientificismo e espiritualismo, com as contribuições que, em cada uma dessas vertentes, trouxeram centenas de pensadores, teóricos e práticos, representaram respeitáveis propostas que moldaram o comportamento, o pensamento e a ação do homem do século 20.
O Consolador
A vocação globalizante do espiritismo manifestou-se através de sua auto qualificação de "Consolador prometido por Jesus". Sob essa crença , revestiu-se o movimento espírita de uma aura messiânica, salvacionista e ufanista. Acreditou-se e, em larga faixa, ainda se acredita, o herdeiro direto do cristianismo decadente, capaz de restaurá-lo, firmando-se como uma "3a revelação divina" (Moisés-Jesus-Espiritismo), singelo esquema onde estaria contida toda a realidade do mundo. Essa predisposição hegemônica, mas fundada numa única cultura religiosa, terminou fazendo com que o movimento espírita praticamente se esquecesse da amplitude das propostas de seu fundador que o definia como uma ciência de conseqüências filosófico-morais, aberta aos avanços do conhecimento e afinada com o progresso da civilização na sua natural caminhada em direção a uma ética universal. Esta é a verdadeira vocação do espiritismo, malgrado algumas afirmações do tipo citado, que nada mais representam do que as idiossincrasias de seus formuladores (encarnados ou desencarnados).
Síntese
É preciso atualizar a linguagem. Onde se lia "consolador prometido por Jesus", proponho leia-se que o espiritismo, em suas linhas gerais, descontado o entusiasmo de tantos quantos viram nele a crença que seria de todos, apresenta propostas que integram harmoniosamente essa síntese que já se desenha no horizonte dos tempos que amanhecem. Nessa síntese, ao lado de consolidados princípios de liberdade, democracia, justiça e paz, haverá uma sólida cultura do espírito, de sua imortalidade e de sua caminhada progressista. Se o conjunto dessas idéias ainda poderá se chamar "espiritismo" não sei. Mas que são idéias profundamente consoladoras para a Humanidade em direção às quais estamos caminhando, disso não tenho qualquer dúvida, o que, em alguma medida, confirma as projeções de Kardec.
Milton Medran Moreira