CORRUPÇÃO,
ONDE MORAS?

Antes deles, o mito judaico da criação
figurou o homem como um ser angelical, saído perfeito do sopro divino que lhe
deu vida no barro. O pecado, fruto da convivência com o outro, o contaminaria.
Conceda-se um pouco de razão a cada um.
Parece mesmo que viver e, especialmente, viver com o outro, nos corrompe. Como
reconheceria Sartre, “o inferno é o outro”. O outro, neste momento, são o
Executivo, o Legislativo, as empreiteiras, os doleiros, os partidos políticos…
Teoricamente, fizemos o pacto social que
evoluiu para o Estado democrático de direito. Ele iria nos libertar da
esperteza do outro e de sua maldade, sempre à espreita para nos prejudicar em
benefício próprio. Mas logo se percebeu que “hecha la ley, hecha la trampa”. O
leviatã que nos defenderia do outro mostrou-se incapaz de nos proteger.
Anuncia-se um pacote anticorrupção. Que
outros mecanismos externos ainda poderão ser implantados? Não estão eles
devidamente estruturados na Constituição, nas leis penais e de responsabilidade
civil, nos tantos e tão complexos mecanismos de fiscalização, de imposição de
sanções administrativas e judiciais consubstanciadas no Estado?
Tempos assim trazem um alerta para o qual,
quem sabe, ainda não demos a devida atenção. Há na alma humana mecanismos
internos de transformação bem mais poderosos do que todos os esforços já
empreendidos para nos proteger da maldade alheia. Eles apontam para nossas
próprias imperfeições. A História tem comprovado a imensa capacidade de
transformações sociais e políticas conquistadas por esse poderoso elã coletivo
que, agora, se revigora entre nós. Mas seremos capazes de investir o mesmo
esforço no afã individual de transformação? Ou teríamos esquecido a grande
lição presente nas mais caras tradições filosóficas, segundo as quais a
corrupção nasce e vive na alma humana e só ali pode ser morta?
Milton Medran Moreira
Advogado
e jornalista, presidente do Centro Cultural Espírita de Porto Alegre
Artigo
Publicado no jornal ZERO HORA de Porto Alegre em 20 de março de 2015