Espiritualidade
Ricardo H. Jones - Médico ginecologista e Obstetra
A vinculação dos humanistas do nascimento com o espiritualismo é
realmente interessante, como foi observado pela pesquisadora Nia Georges quando
esteve no Brasil com Robbie Davis Floyd para pesquisar os humanistas que lutam
pelo protagonismo restituído às mulheres. Com exceção de alguns poucos
colegas, explicitamente ateus, eu acho que a imensa maioria dos humanistas
do nascimento tem convicções teleológicas (não necessariamente religiosas, como
eu). E, vejam bem, eu tenho um profundo respeito pelos ateus (meus irmãos são e
meu filho também). Essa vinculação pode, talvez, ser explicada pela vertente
psicológica e metafísica. Observar o nascimento é "uma bofetada no
niilismo", me dizia Max. É muito difícil assistir o nascimento de uma
criança e não vislumbrar que existe algo por detrás do meramente manifesto aos
sentidos grosseiros. Existe uma magia que se esconde em cada gesto, em cada
palavra e em cada olhar. O parto, assim visto, se assemelha muito mais a um
reencontro do que com uma chegada. No meu caso específico, essa vinculação
espiritualista foi quase visceral. Meu pai foi presidente da Federação Espírita
do RS por muitos anos e é, segundo minha visão, um dos melhores pensadores
espíritas contemporâneos. Ele foi um dos criadores do "espiritismo
laico" no Brasil, o que o fez romper com a oficialidade do movimento
espírita. Foi cofundador do Centro Cultural Espírita de Porto Alegre (CCEPA),
voltado ao estudo filosófico e científico do espiritismo. Abandonou por
completo suas convicções religiosas (mas não teleológicas), a partir do estudo
do próprio Kardec, nas publicações da Revue Espirite. Curioso (ou esclarecedor)
é perceber que ambos (eu e ele) fazemos parte de movimentos contra-hegemônicos
que visam a autodestruição.
Explico: em sua visão otimista do "porvir" do pensamento
espírita não haverá necessidade de existir um "movimento
espiritualista". Tamanha será a convicção da comunidade científica e a
obviedade dos seus postulados que será desnecessário um movimento para
sustentá-lo. Seria como existir um movimento pela "Lei da Gravidade",
ou "Pelo Direito a Escola", ou "Pelo Direito das Mulheres
Trabalharem". Sua visão otimista é de que a ciência vai acabar provando a
sobrevivência da alma, o que vai modificar sobremaneira a visão que temos da
vida, da temporalidade e da própria medicina. Sua visão se assemelha ao
otimismo de Gene Rodenbery, criador de Jornada nas Estrelas, que vaticinou que
o progresso científico levaria à fraternidade e à busca de valores mais nobres.
Tecnologia vencendo o egocentrismo recalcitrante. Assim, o próprio movimento
planeja seu extermínio, ao sair da periferia das ideias em direção ao centro;
saindo da antítese e rumando para a síntese, numa abordagem Hegeliana. O mesmo
ocorreria com o movimento de humanização. Com o progredir do conhecimento
científico e a falência gradual das posturas mitológicas, com o concomitante
desaparecimento dos vaidosos propagadores de verdades privadas, será
desnecessário "lutar" por modificações estruturais e práticas que já
se estabeleceram no discurso cotidiano. Com isso a "seara luminosa que
estamos aos poucos traçando, rumo ao porvir obstétrico redentor" vai
significar o nosso desaparecimento enquanto rede e grupo.
E viva o fim da ReHuNa, da Parto do Princípio e de todos os grupos e
ONGs que lutam por algo que um dia será tão banal que será desnecessário lutar
!!! Nesse dia, lá longe no "porvir obstétrico", a luta dos
apaixonados pelo nascimento será outra. E quem pode dizer qual será? Pelo
direito aos alienígenas de Alfa centauro de parirem de 6 (não dão a luz de 4
porque tem seis membros articulados)? Ou pelo direito a que a mulher escolha o
pai do seu filho por amor, e não a partir de diagramas de compatibilidade
genética?
Quem sabe o que virá?